24.10.10

o liso e o estriado

Em O Liso e o Estriado os autores, por meio da consideração de diversos modelos, explicitam a mesma operação de sua lógica, a lógica da disjunção inclusiva, analisando de um lado o espaço liso e de outro o espaço estriado. Na consideração do modelo musical, por exemplo, o espaço estriado é o que:

“(...) entrecruza fixos e variáveis, ordena e faz sucederem-se formas distintas, organiza as linhas melódicas horizontais e os planos harmônicos verticais. O liso é a variação contínua, é o desenvolvimento contínuo da forma, é a fusão da harmonia e da melodia em favor de um desprendimento de valores propriamente rítmicos, o puro traçado de uma diagonal através da vertical e horizontal”. (DELEUZE e GUATTARI, 1997, p.184)

O liso é também o feltro, um conjunto de enredamento, oposto ao estriado tecido, fiel à trama e à urdidura. Liso é nomos, estriado é polis, liso é nômade, estriado é sedentário. Mas, como dizíamos, não basta apenas opormos esses dois espaços, pois eles coexistem em um movimento constante de um querer escapar e o outro querer deter. O espaço o mais estriado é justamente o que pode alisar-se e o liso estriar-se.

“O espaço liso e o espaço estriado, - o espaço nômade e o espaço sedentário, - o espaço onde se desenvolve a máquina de guerra e o espaço instituído pelo  aparelho de Estado, - não são da mesma natureza. Por vezes podemos marcar uma oposição simples entre os dois tipos de espaço. Outras vezes devemos indicar uma diferença muito mais complexa, que faz com que os termos sucessivos das oposições consideradas não coincidam inteiramente. Outras vezes ainda devemos lembrar que os dois espaços só existem de fato graças às misturas entre si: o espaço liso não pára de ser traduzido, transvertido num espaço estriado; o espaço estriado é constantemente revertido, devolvido a um espaço liso. Num caso organiza-se até mesmo o deserto; no outro, o deserto se propaga e cresce; e os dois ao mesmo tempo” (idem, pp. 180) (...) Contudo, ambos estão ligados, se relançam. Nunca nada se acaba: a maneira pela qual um espaço deixa-se estriar, mas também a maneira pela qual um espaço estriado restitui o liso, com valores, alcances e signos eventualmente muito diferentes. Talvez seja preciso dizer que todo progresso se faz por e no espaço estriado, mas é no espaço liso que se produz todo devir. (idem, pp.195)

Esse movimento de um ‘fagocitar’ o outro e esse provar sua irredutibilidade restituindo-se a partir da busca de linhas de fuga que minam o um, esse movimento de um tornar-se o outro, não é um movimento simples entre dois termos. Não se trata de um deixar de ser o que é para tornar-se o outro. Um ingere o outro e passa ele mesmo a ser um outro e o ingerido, assim cooptado, passa ele também a ser outro, são, portanto quatro termos. O um e o outro originais não desaparecem. São ao mesmo tempo.

“(...) Convém, para compreendê-lo bem, considerar sua lógica: todo devir forma um ‘bloco’, em outras palavras, o encontro ou a relação de dois termos heterogêneos que se ‘desterritorializam’ mutuamente. Não se abandona o que se é para devir outra coisa (imitação, identificação), mas uma outra forma de viver e de sentir assombra ou se envolve na nossa e a faz ‘fugir’. A relação mobiliza, portanto, quatro termos e não dois, divididos em séries heterogêneas entrelaçadas: x envolvendo y torna-se x’, ao passo que y tomado nessa relação com x torna-se y’. Deleuze e Guattari insistem constantemente na recíproca do processo e em sua assimetria (...)” (ZOURABICHVILI, 2004, p. 48)

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